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Adultos neuroatípicos e a invisibilidade social: o peso e a libertação de um diagnóstico tardio

 Adultos neuroatípicos e a invisibilidade social: o peso e a libertação de um diagnóstico tardio

Foto: Ascom

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Aos 44 anos, a psicanalista Carla Mandolesi recebeu três diagnósticos ao mesmo tempo: Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Superdotação (SD/AH). A combinação dessas condições, conhecida no meio médico como dupla excepcionalidade, é mais comum do que se imagina, apesar de ainda ser cercada por desinformação e preconceito. A revelação, no entanto, foi um divisor de águas em sua vida: além de fortalecer o vínculo com sua filha, Carol, que também é autista, tem TDAH e superdotação, impulsionou Carla, que já atuava como ativista, a ampliar sua atuação na defesa e conscientização sobre diagnósticos tardios.

A dupla excepcionalidade envolve desafios que vão além dos diagnósticos isolados. O TDAH, por exemplo, é marcado por sinais como falta de atenção e impulsividade. Já o autismo está relacionado a dificuldades na comunicação social e padrões de comportamento repetitivos. Por sua vez, a superdotação se manifesta por meio de um desempenho intelectual muito acima da média. Para Carla, os indícios de que havia algo diferente começaram ainda na infância:

“Ser diagnosticada tardiamente não foi simples. Exigiu profissionais capacitados que buscaram olhar todo o meu histórico, e minha mãe foi fundamental neste processo. Foi ela quem contou sobre detalhes da minha infância, como por exemplo andar aos sete meses, falar claramente aos nove meses, não gostar de brincar com outras crianças, não aceitar areia no corpo, só comer macarrão, ovo, ou linguiça, o que me levou a ter anemia, inclusive. Enfim, o diagnóstico de uma pessoa adulta é mais demorado, e deve sim ser cuidadoso, e de preferência, com participação da família”, disse.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há cerca de 2,4 milhões de pessoas com TEA no Brasil, com maior incidência em crianças entre 5 e 9 anos. Entre os adultos, os números são mais baixos, representando até 1% da população, conforme a faixa etária. Por outro lado, estima-se que cerca de 5% dos brasileiros tenham altas habilidades ou superdotação. Os dados revelam a dificuldade de acesso a diagnósticos precisos na vida adulta, o que pode gerar impactos significativos na saúde mental, nas relações pessoais e no ambiente profissional.

Mesmo com esses obstáculos, o diagnóstico pode significar um ponto de virada, trazendo autoconhecimento, autonomia e maior inclusão social. No caso de Carla, foi exatamente isso que aconteceu:

“Com o diagnóstico, a vida da minha família mudou, especialmente pra mim. Desde antes do diagnóstico da minha filha, Carol, ser fechado, estudei muito sobre o autismo, comorbidades associadas, e sigo estudando. Fiz diversos cursos relacionados, até perceber que as mães precisavam muito de um olhar para elas, foi neste momento que me formei em psicanálise, e atualmente estudo Psicologia. Também me tornei instrutora de Yoga e Meditação, e, assim, criei um protocolo para atendimento de mães atípicas. Atualmente sou ativista da causa, informando sobre o autismo e suas comorbidades, falando sobre os direitos da pessoa autista, terapias baseadas em evidências científicas, e denunciando irregularidades. Desta forma, consegui seguir trabalhando, mas também cuidando da minha filha e suas demandas terapêuticas”, contou.

Dois anos após receber seus diagnósticos, Carla se tornou uma referência no apoio a mulheres neurodivergentes e mães atípicas, compartilhando sua rotina e reflexões por meio da página @oautismoemnossasvidas, no Instagram. O perfil se transformou em um canal de acolhimento, informação e empoderamento, onde ela desmistifica os transtornos do neurodesenvolvimento com leveza, seriedade e humor.

Reconhecida como uma das principais vozes da comunidade autista no Brasil, Carla também atua como palestrante e é Diretora de Projetos em uma organização dedicada à causa neurodivergente. Recentemente, participou de um seminário sobre “Família Atípica”, ao lado de outras especialistas e ativistas, durante as comemorações do Dia Mundial do TDAH, celebrado em julho.

“Os maiores desafios para a nossa comunidade está na sociedade, no despreparo, e até a não aceitação nas escolas, ausência de amigos, descumprimento de plano de saúde, ausência de políticas públicas efetivas e capacitismo. O autismo não é o problema, ele não define quem somos, no entanto o diagnóstico precoce dá a possibilidade de acesso às terapias, e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida e libertação”, concluiu.

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